A decisão tem de ser tomada em consciência...
Não podia deixar chegar o referendo sem dar a minha opinião pessoal, definitiva e transmissível, sobre a questão que todos iremos responder no próximo dia 11 de Fevereiro.
A dita pergunta não é acerca de quem é “pró-vida” ou “pró-escolha”, nem acerca de quem é a favor do aborto ou contra o aborto, nem sobre quem mais respeita o sofrimento das mulheres. Também não é sobre quando e onde começa a vida humana e muito menos sobre o sim e o não ao aborto.
É sobre a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez. Entenda-se sobre a penalização de quem já esteve sujeito a humilhação pela justiça depois de ter sido sujeito a este drama delicado através de, pelo menos, um julgamento, o pagamento de uma coima e a uma pena, simplesmente porque não teve dinheiro para o fazer em condições de higiene e segurança e fora do país relativamente longe para que o braço penal não o fosse capaz de atingir.
É, adicionalmente, sobre a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez por opção da mulher, o que significa que esta não pode ser forçada a abortar por terceiros ou por uma entidade administrativa abstracta (p.e. o Estado ou uma junta médica como já ouvi. Creio que não é preciso invocar os casos específicos de quem morreu por não ter tido a oportunidade de optar, deixando que a “escolha” dos médicos fosse pela “VIDA”). O que não quer dizer que a mulher tenha de tomar esta decisão sozinha, mas sim em consciência. Ninguém acredita que o Pai fique totalmente fora da decisão. Se o fica é por opção própria. É, por demais evidente, que muitos dos abortos se realizam por “mães solteiras” a quem os companheiros negam o apoio, ignorando a responsabilidade paternal.
É, ainda, sobre a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez até às 10 semanas. Muitos os partidários do “NÃO” advogam a teoria do aborto livre. Mas isto quer exactamente dizer que o aborto deixa de ser livre e passa a ter um limite temporal. O que acontecerá para lá das 10 semanas? Exactamente o que acontece a quem excede o limite de velocidade na estrada: é punido conforme o excesso. Porquê as 10 semanas? Podemos invocar razões científicas para a origem da Vida ou o seu reconhecimento jurídico, mas sobretudo razões que o apontam como limite para colocar em risco a saúde da mulher. No entanto, parece-me mais importante não invocar nenhuma e não discutir o que não interessa para a discussão.
É, finalmente, sobre a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez por opção da mulher até às 10 semanas desde que em estabelecimento de saúde legalmente autorizado, ou seja, em condições de higiene, segurança, igualdade no tratamento e de oportunidade, mas que não significa necessariamente do Estado. Isto é, não deve ser numa farmácia (através da tal “pastilha” milagrosa que provoca o aborto) sem acompanhamento médico, psicológico, à bruta e a “quente”. Assim, ainda consideram “livre”? Só se for a decisão…Apesar de tudo ainda há quem argumente que tudo cairá em cima do Sistema Nacional de Saúde, que não existe capacidade instalada para dar resposta ao problema, etc. Mas a verdade é que mesmo que assim seja, o Sistema já foi capaz de se adaptar a outro tipo de novos fenómenos sociais e de saúde como por exemplo a SIDA, o cancro ou outras epidemias.
A razão principal pela qual irei votar “SIM” no próximo referendo tem que ver com a minha percepção desta pergunta, mas sobretudo com a minha visão da sociedade. Não consigo tolerar que a maioria imponha valores à minoria. Ninguém pode, nem deve, limitar a opções de consciência através do inculcar de valores sociais ou outros (como cheguei a ouvir: “esta é a verdadeira função do Estado: impor limites e valores”). Os valores não resolvem problemas concretos porque não vivemos nem viveremos na sociedade ideal. Temos a obrigação de a construir todos os dias, mas devemos fazê-lo pela intervenção e não através de mecanismos compulsórios que nos obriguem a aceitar valores com os quais não nos identificamos. O exemplo paradigmático tem que ver com a dificuldade em aceitar, a determinada altura na nossa vida em sociedade, a instituição do divórcio ou das Uniões de Facto, como ainda hoje custa aceitar o direito dos homossexuais ao casamento. Porquê? Fácil. São instituições que colidem com os valores maioritários da sociedade Portuguesa.
Quero alertar para o seguinte: quem “agora” defende as teses que suportam o “NÃO” reivindica a despenalização da mulher (até às 10 semanas? Até quando? Continuo sem perceber…) nestes casos e promete “arregaçar” as mangas para o trabalho de prevenção após o referendo. Cheira-me a “Dejá Vu”. Isto não aconteceu em 98? Com que resultados práticos?
Depois do dia 11 de Fevereiro, o principal problema será mobilizar o poder político para a definição de estratégias e políticas de suporte ao nível do planeamento familiar, da saúde e da educação sexual, etc. Todavia, acredito que algum trabalho irá ser desenvolvido… Eu tentarei fazer a minha parte. Aqui!
P.S. Não me venham com a história das maternidades. As razões apontadas para o fecho das maternidades são completamente distintas e nada têm a ver com a questão do planeamento familiar ou do aborto.